Dia de médico na vila é dia de festa. Doutor chega, entra nos casebres, olha as crianças e os velhos, faz dezenas de perguntas. Se não tem cura, vai embora e depois avisa que naquele endereço tem doente. Se for de morte, a ambulância logo chega.
Juliano, que resistiu até a chegada do médico e da ambulância, teve uma chance: foi internado para tratar uma afecção perinatal na cidade. Os dias que se passaram foram de vazio. As carpideiras se afastaram, como os abutres, que pareciam ter encontrado outros mortos-vivos para agourar.
Depois de um mês a morte desistiu. O menino volta para a vila. Os olhos esbugalhados alegram Joana, que consegue ver a vida renascer no semblante do filho. Juliano ainda chora, chora e chora. Pelo menos agora a doença é conhecida. O leite do peito não sustenta. Garapa também não ajuda. É normal que ele chore, pensa a mãe, afinal, o motivo é uma doença sem remédio no sertão.
Com o menino mais forte, Joana tenta retomar a vida normal. Pela manhã, acorda e se anima em andar pela roça para ver o que dá para colher e o que já secou, por causa da estiagem. Desde cedo ela aprendera que os vegetais secos só servem para tirar energia da planta. São como gente, precisam ser jogados fora se não servirem, sob pena de acabar com toda a vida que ainda resta.
À tarde, ela foi à cidade. Naquele lugar longe da urbe, os moradores têm duas alternativas. Ou vão para Morro Seco, onde tem gente de bom coração que ainda aceita marcar as compras na caderneta, ou para Mirante do Norte, lugar igualmente inóspito que se orgulha de centralizar os ineficientes serviços públicos da região.
Na empoeirada Mirante, a menina mirrada com olhar perdido desce do caminhão e segue a pé pela estreita calçada, até a agência postal. Do lado oposto do balcão está uma mulher de cabelos ondulados, óculos pesados de aros grossos. O mau humor a envelhece ainda mais.
— Fala moça -, diz com displicência, sem interromper a separação de correspondências.
— Tem carta em nome de Joana da Silva Alves, ou de Izilda? pergunta quase murmurando a menina da roça.
— Espera um pouco -, pede a atendente, que logo retorna – É do Sítio Bom Jesus?
— Sim, responde Joana.
— Tem uma que chegou há 15 dias – noticia a atendente.
— Você sabe quando o carteiro vai começar a passar por lá? - Investe a menina.
— Sei lá, minha filha. Quem sabe no dia que substituírem o carteiro que morreu há três anos - responde mal humorada a atendente.
Com a carta na mão, Joana sai da agência postal ansiosa. Abre o pequeno envelope cuidadosamente para não rasgar o papel pardo de caderno. Grande surpresa é a dela, quando confirma que finalmente a prima Ana Cláudia escreveu.
Oi prima,
Espero que você esteja bem
Faz tanto tempo que não mando notícias, que fiquei até com medo desta carta ser mal recebida. Não quero que você, a Izildinha e a vovó (se ela já não tiver morrido) pensem em mim como uma ingrata, porque deixei a terra onde nasci. A verdade que esse lugar não é feito para se viver com dignidade. Cansei de comer fava.
Espero que você entenda porque eu fui embora. Por aqui as coisas também não são fáceis. Trabalho muito e ganho pouco, mas pelo menos água não falta. Quando se tem algum dinheiro, o mercado fica pertinho. Tem coisas ruins de cidade grande também, como gente apressada indo e vindo a todo tempo. Se a gente parar, acaba pisoteado.
A vida por aqui tem melhorado. Se quiser vir para cá me escreva, eu acho que você ainda tem uma chance na sua vida e não pode ficar esperando a morte nesse lugar atrasado. Se puder, por favor, me escreva.
Com saudades
Ana Cláudia
A carta da prima, que trocou os flagelos de Morro Seco pela angústia urbana, seduziu Joana. Meses se passaram e, depois de trocar algumas correspondências, ela já considerava a hipótese de fazer o mesmo caminho, para salvar seu filho do vale da miséria.
Tirando Izildinha, nada deixaria para trás. Depois que a empreiteira da estrada foi embora, o pai de Juliano sempre fora uma sombra do passado mesmo. Nada de importante ficaria para trás.
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domingo, 24 de maio de 2009
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