quinta-feira, 21 de maio de 2009

As carpideiras

Carlos Rodrigues,
em prosa

Palavra mais sem significado é esperança, quando se vive avizinhado da morte. Abutres pairam sobre o dia e curujas crocitam noite afora. O som convida para um baile macabro, daqueles em que o final é bem conhecido. Na aridez daquela terra, nascer e morrer são ciclos breves, mas com tempo suficiente para sonhos e ilusões.

Dia vai e noite vem. Barriga cresce. A velha vem de encontro na estrada e pergunta se é doença. Tímida, a menina de olhos turvos e tristes menea a cabeça para dizer que não, afinal, de que adiantaria mentir agora. Faltam poucas luas para Joana dar à luz.

— Doença nada, Dona Madalena. Por aqui também se assustaram comigo, mas eu tô pra ter neném - sorri e continua - Faz tempo que não vejo a senhora, como andam as coisas em Mirante do Norte?

— Ave cruz menina, sua mãe faz falta mesmo! Cadê sua irmã pra botar um pouco de juízo nessa cabeça! Criança hoje em dia dá muito trabalho - bronqueia a velha com rugas na testa.

— Eu sei - responde Joana, sentindo o peso da reprovação.

— Mas não se acanhe filha, eu falo porque quero seu bem - atenua. - Você é muito nova para os desgostos da vida. Aliás, desgosto responde sua pergunta. Mirante continua a mesma coisa, pra melhorar aquele lugar, só se Deus fizer o mundo de novo - reclama.

Depois de mais uma dezena de reclamações, a velha Madalena ajeita o lenço sobre a cabeça e segue seu caminho, sobre a carroça de rodas tortas, puxada por uma égua coxa. Joana observa a vizinha de muitos quilômetros se afastar. Na estrada passa pouca gente. Esperança nunca passa.

O ciclo dos abutres e das corujas prossegue. O giro das fases lunares anuncia que uma nova vida está por vir. Ladeada pela parteira da vila e pela irmã Izildinha, herança única da família de outros tempos, Joana grita com as dores do parto. A parteira sabe que desta vez não será fácil. Ela faz o que pode, prolapso do umbilical não é o único problema.

Ninguém quer ouvir o som do silêncio. Tempo passa e a chance de vida parece passar também. Alívio. O choro de criança se multiplicou: agora mãe e filho choram. A morte veio até a porta, mas não entrou na combalida casa onde nasceu o pequeno Juliano. O som da vida contagia a inquieta platéia de curiosos, que espia atrás da cortina de tecido surrado.

Pena que o ciclo dos abutres e das corujas não pára naquela terra. O choro não é mais do som da vida e Juliano dá sinais de fraqueza. A cada dia, o crocitar das corujas assusta mais. Joana se angustia e chora com ele. Chora mais ainda no dia em que ele pára de chorar.

Agora as corujas têm companhia. As carpideiras começam a passar com mais frequência perto do casebre. A única diferença em relação às corujas é que as aves sombrias não falam.

Sedutoras da morte, aquelas mulheres parecem não esconder a satisfação de poder chorar com terços metidos entre os dedos. Enquanto elas vem e vão, sob o colchão de espuma encardido e o pano amarelado, Juliano luta para não dar aos abutres o sabor da morte. Luta em silêncio, luta intimamente.

fonte da imagem: http://www.estradar.com/wp-content/uploads/2007/10/sertao-1.jpg

* Nota:
Como meus leitores não devem passar de meia d
úzia,
não tenho problema nenhum em postar
minha "papagaiada" aqui no blog

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Um comentário:

  1. BEM... POSSO DIZER QUE ISSO AQUI É UMA FONTE INESGOTÁVEL DE COISAS INUSITADAS! GANHOU UMA LEITORA...
    MAS, VÊ SE CAPRICHA NISSO AQUI!!! A CADA SEMANA TO PASSANDO, HEIN? E TE PUXO A ORELHA DEPOIS SE NÃO ESTIVER ME PRENDENDO A ATENÇÃO!!! RSRSRSRSRS...
    AH! PASSA LÁ NO MEU TBM... VAI DEIXAR A DESEJAR, MAS É ALGO QUE VEM DO CORAÇÃO...
    www.viveramarfe.blogspot.com
    BJAUM!!!

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