domingo, 24 de maio de 2009

Nada ficaria para trás

Dia de médico na vila é dia de festa. Doutor chega, entra nos casebres, olha as crianças e os velhos, faz dezenas de perguntas. Se não tem cura, vai embora e depois avisa que naquele endereço tem doente. Se for de morte, a ambulância logo chega.

Juliano, que resistiu até a chegada do médico e da ambulância, teve uma chance: foi internado para tratar uma afecção perinatal na cidade. Os dias que se passaram foram de vazio. As carpideiras se afastaram, como os abutres, que pareciam ter encontrado outros mortos-vivos para agourar.

Depois de um mês a morte desistiu. O menino volta para a vila. Os olhos esbugalhados alegram Joana, que consegue ver a vida renascer no semblante do filho. Juliano ainda chora, chora e chora. Pelo menos agora a doença é conhecida. O leite do peito não sustenta. Garapa também não ajuda. É normal que ele chore, pensa a mãe, afinal, o motivo é uma doença sem remédio no sertão.

Com o menino mais forte, Joana tenta retomar a vida normal. Pela manhã, acorda e se anima em andar pela roça para ver o que dá para colher e o que já secou, por causa da estiagem. Desde cedo ela aprendera que os vegetais secos só servem para tirar energia da planta. São como gente, precisam ser jogados fora se não servirem, sob pena de acabar com toda a vida que ainda resta.

À tarde, ela foi à cidade. Naquele lugar longe da urbe, os moradores têm duas alternativas. Ou vão para Morro Seco, onde tem gente de bom coração que ainda aceita marcar as compras na caderneta, ou para Mirante do Norte, lugar igualmente inóspito que se orgulha de centralizar os ineficientes serviços públicos da região.

Na empoeirada Mirante, a menina mirrada com olhar perdido desce do caminhão e segue a pé pela estreita calçada, até a agência postal. Do lado oposto do balcão está uma mulher de cabelos ondulados, óculos pesados de aros grossos. O mau humor a envelhece ainda mais.

— Fala moça -, diz com displicência, sem interromper a separação de correspondências.
— Tem carta em nome de Joana da Silva Alves, ou de Izilda? pergunta quase murmurando a menina da roça.
— Espera um pouco -, pede a atendente, que logo retorna – É do Sítio Bom Jesus?
— Sim, responde Joana.
— Tem uma que chegou há 15 dias – noticia a atendente.
— Você sabe quando o carteiro vai começar a passar por lá? - Investe a menina.
— Sei lá, minha filha. Quem sabe no dia que substituírem o carteiro que morreu há três anos - responde mal humorada a atendente.

Com a carta na mão, Joana sai da agência postal ansiosa. Abre o pequeno envelope cuidadosamente para não rasgar o papel pardo de caderno. Grande surpresa é a dela, quando confirma que finalmente a prima Ana Cláudia escreveu.

Oi prima,

Espero que você esteja bem

Faz tanto tempo que não mando notícias, que fiquei até com medo desta carta ser mal recebida. Não quero que você, a Izildinha e a vovó (se ela já não tiver morrido) pensem em mim como uma ingrata, porque deixei a terra onde nasci. A verdade que esse lugar não é feito para se viver com dignidade. Cansei de comer fava.

Espero que você entenda porque eu fui embora. Por aqui as coisas também não são fáceis. Trabalho muito e ganho pouco, mas pelo menos água não falta. Quando se tem algum dinheiro, o mercado fica pertinho. Tem coisas ruins de cidade grande também, como gente apressada indo e vindo a todo tempo. Se a gente parar, acaba pisoteado.

A vida por aqui tem melhorado. Se quiser vir para cá me escreva, eu acho que você ainda tem uma chance na sua vida e não pode ficar esperando a morte nesse lugar atrasado. Se puder, por favor, me escreva.

Com saudades

Ana Cláudia


A carta da prima, que trocou os flagelos de Morro Seco pela angústia urbana, seduziu Joana. Meses se passaram e, depois de trocar algumas correspondências, ela já considerava a hipótese de fazer o mesmo caminho, para salvar seu filho do vale da miséria.

Tirando Izildinha, nada deixaria para trás. Depois que a empreiteira da estrada foi embora, o pai de Juliano sempre fora uma sombra do passado mesmo. Nada de importante ficaria para trás.

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quinta-feira, 21 de maio de 2009

As carpideiras

Carlos Rodrigues,
em prosa

Palavra mais sem significado é esperança, quando se vive avizinhado da morte. Abutres pairam sobre o dia e curujas crocitam noite afora. O som convida para um baile macabro, daqueles em que o final é bem conhecido. Na aridez daquela terra, nascer e morrer são ciclos breves, mas com tempo suficiente para sonhos e ilusões.

Dia vai e noite vem. Barriga cresce. A velha vem de encontro na estrada e pergunta se é doença. Tímida, a menina de olhos turvos e tristes menea a cabeça para dizer que não, afinal, de que adiantaria mentir agora. Faltam poucas luas para Joana dar à luz.

— Doença nada, Dona Madalena. Por aqui também se assustaram comigo, mas eu tô pra ter neném - sorri e continua - Faz tempo que não vejo a senhora, como andam as coisas em Mirante do Norte?

— Ave cruz menina, sua mãe faz falta mesmo! Cadê sua irmã pra botar um pouco de juízo nessa cabeça! Criança hoje em dia dá muito trabalho - bronqueia a velha com rugas na testa.

— Eu sei - responde Joana, sentindo o peso da reprovação.

— Mas não se acanhe filha, eu falo porque quero seu bem - atenua. - Você é muito nova para os desgostos da vida. Aliás, desgosto responde sua pergunta. Mirante continua a mesma coisa, pra melhorar aquele lugar, só se Deus fizer o mundo de novo - reclama.

Depois de mais uma dezena de reclamações, a velha Madalena ajeita o lenço sobre a cabeça e segue seu caminho, sobre a carroça de rodas tortas, puxada por uma égua coxa. Joana observa a vizinha de muitos quilômetros se afastar. Na estrada passa pouca gente. Esperança nunca passa.

O ciclo dos abutres e das corujas prossegue. O giro das fases lunares anuncia que uma nova vida está por vir. Ladeada pela parteira da vila e pela irmã Izildinha, herança única da família de outros tempos, Joana grita com as dores do parto. A parteira sabe que desta vez não será fácil. Ela faz o que pode, prolapso do umbilical não é o único problema.

Ninguém quer ouvir o som do silêncio. Tempo passa e a chance de vida parece passar também. Alívio. O choro de criança se multiplicou: agora mãe e filho choram. A morte veio até a porta, mas não entrou na combalida casa onde nasceu o pequeno Juliano. O som da vida contagia a inquieta platéia de curiosos, que espia atrás da cortina de tecido surrado.

Pena que o ciclo dos abutres e das corujas não pára naquela terra. O choro não é mais do som da vida e Juliano dá sinais de fraqueza. A cada dia, o crocitar das corujas assusta mais. Joana se angustia e chora com ele. Chora mais ainda no dia em que ele pára de chorar.

Agora as corujas têm companhia. As carpideiras começam a passar com mais frequência perto do casebre. A única diferença em relação às corujas é que as aves sombrias não falam.

Sedutoras da morte, aquelas mulheres parecem não esconder a satisfação de poder chorar com terços metidos entre os dedos. Enquanto elas vem e vão, sob o colchão de espuma encardido e o pano amarelado, Juliano luta para não dar aos abutres o sabor da morte. Luta em silêncio, luta intimamente.

fonte da imagem: http://www.estradar.com/wp-content/uploads/2007/10/sertao-1.jpg

* Nota:
Como meus leitores não devem passar de meia d
úzia,
não tenho problema nenhum em postar
minha "papagaiada" aqui no blog

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sábado, 16 de maio de 2009

Os pátios da vida

Estive hoje num lugar bem familiar, semelhante ao que já estive por muito tempo.
Logo na chegada, cartazes divulgavam a "Tarde Legal" ...tem sorvetes e pastéis, tudo a apenas um real.

Quem tinha dinheiro pegava a fila, comprava sorvete, pastel, depois corria para o pátio, onde continuava a correria. Quem não tinha... não tinha motivo pra parar.

Crianças gritavam, corriam e... gritavam e corriam. Na verdade, agora que corro e grito bem menos, nem me lembro mais porque corríamos e gritávamos tanto. Sei que todos nós (ou a esmagadora maioria) também correu e gritou muito um dia.

Ao lado de uma mesa enfeitada com modestas plantas, de flores pontiagudas e avermelhadas,
estava a diretora ao microfone, também gritando... pedindo atenção. Não demorou muito e ela parou de gritar e começou a falar em tom solene, somente para quem queria ouvir.

Mas até quem queria ouvir se dispersava e olhava para os lados, em meio a tantos ruídos e movimentos. É uma constatação científica: temos tendência a observar mais o que está em movimento, do que aquilo que está parado. Esse regra nem está acima da lógica, é fácil explicar.

Mesmo que o imobilismo tenha a capacidade de oferecer uma representação mais fiel daquilo que se observa, é o movimento que queremos ver. Certamente, porque nossos olhos se sentem tentados a vencer a barreira do "além estático", e proporcionar ao cérebro a experiência que sempre pode surpreender, a partir do próximo movimento.

Eu também tentei me concentrar na simpática senhora, de voz suave, sorriso afetuoso e quase suplicante... mas não censurei minha mente, quando os olhos se distrairam. Passaram pela quadra, onde se corre para vencer, e pelo parquinho, onde se corre para disputar o brinquedo mais interessante.

Por longos minutos, meu olhar fitou aqueles que corriam sem destino. Mesmo com a aparente falta de destino, correr sempre nos faz chegar a algum lugar. Leva a pátios bem maiores, encantadores, apesar das muitas quedas e gritos de dor.
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sábado, 9 de maio de 2009

Coisas de sábado

Anota o endereço

Hoje liguei para um amigo. Na verdade para vários, mas este me fez parar para pensar como acabamos virando uma representação de uma parte de nós mesmos. É estranho pensar que dificilmente seremos lembrados e reconhecidos pelo todo, mas por um fragmento do que somos.

- Alô
- E aew tranqueira, beleza?
- Fala 'Zé Carlin'!!! Como vão as véia...? (piada interna, não dá para explicar agora)
- Hahahahah!!!! Vão bem, muito bem (mais risos). O que vc está fazendo?
- Tô travado
- Putz, é a coluna?
- Não doido, to travado de bêbado!!!
- Hahahahahaha!!!
- Além de travado, o que você está fazendo?
- Fala o endereço
- Quê???
- Você vai me convidar para uma festa, não vai?
- Como você sabia?
- Sei lá... eu sabia
- Boa, tá lendo mente agora. Anota aí, avenida...

Que fragmento é esse???
Preciso rever meus conceitos... rsrsrs
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domingo, 3 de maio de 2009

Coisas de domingo

Se Deus fez o mundo em seis dias e descansou no domingo, como ensina a tradição Cristã, deve ter sido entediante ficar sem fazer nada depois de tanta adrenalina. Nessas horas é que cabe uma pergunta: nós que gostamos do que fazemos, vivemos para trabalhar?

Depois de uma temporada inteira de Càrnivale (terminei de ver a série) e do nada excepcional Quem quer ser um milionário, chega de ficção. Até o Sodoku do jornal eu fiz no banheiro, mas... quem quer saber sobre isso?

Não importa. O fim de semana foi bom e está acabando, para mim, felizmente, sem a musiquinha do Fantástico. Que acabe mesmo! Mas, sabe, não posso mentir: isso me incomoda

Como posso achar um porre o dia feito para descansar? Tudo bem... um desconto, já que ainda não é o 5º dia útil. Pelo menos eu poderia morar perto da Juréia, para montar acampamento no fim de semana e ver o sol nascer.

Aliás, pertinho dalí tem uma cidadezinha chamada Boiçucanga. Dizem que é uma das poucas praias brasileiras voltadas para o oeste. Dá para ver o sol nascer em Juréia e depois assistir o poente em Boiçucança. Ops... voltando para a realidade dos itambés.

Preciso de férias, não consigo descansar nos fins de semana.
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